A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a formalização do acordo de não persecução penal (ANPP) é inaplicável nos casos de homofobia. O colegiado avaliou que essa conduta possui tratamento legal equivalente ao do crime de racismo, para o qual o ANPP não é aplicável.
No caso analisado pela turma, o acordo foi proposto pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) a uma mulher acusada de ter proferido ofensas de caráter homofóbico contra dois homens que se abraçavam em um espaço público.
Tanto o juízo de primeira instância quanto o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negaram a homologação do acordo, fundamentando suas decisões na equiparação da homofobia aos crimes de racismo, para os quais o ANPP não se aplica devido à alta reprovação das condutas.
Em recurso ao STJ, o MPGO reiterou o pedido de homologação do acordo, argumentando que o tribunal estadual teria ultrapassado seus poderes jurisdicionais, infringindo o artigo 28-A, caput e parágrafos 2º, 7º e 8º, do Código de Processo Penal (CPP).
Alcance da aplicação do ANPP deve ser compatível com a Constituição
O relator do recurso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, declarou que a proposição do ANPP depende do cumprimento das obrigações explicitamente previstas no artigo 28-A do CPP. Se, de um lado, cabe ao Ministério Público justificar a não oferta do ANPP, por outro lado, conforme a jurisprudência do STJ (RHC 193.320), o acordo não configura um direito subjetivo do investigado e pode ter sua homologação recusada caso a oferta não atenda aos requisitos legais.
Recentemente, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RHC 222.599, de relatoria do ministro Edson Fachin, entendeu que o alcance do ANPP deve ser compatível com a Constituição Federal e com os tratados internacionais firmados pelo Estado brasileiro.
Assim – concluiu o STF –, da mesma forma que a lei veda o ANPP nos crimes cometidos no contexto de violência doméstica ou familiar ou nos casos de feminicídio, tendo em vista o direito fundamental à não discriminação previsto no artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, o alcance do acordo de não persecução não pode incluir a injúria racial (Lei 7.716/1989, artigo 2º-A) nem outras condutas racistas descritas na mesma legislação.
Homofobia foi equiparada ao crime de racismo
Reynaldo Soares da Fonseca também lembrou que, para cumprir o disposto no artigo 5º, incisos XLI e XLII, da Constituição, o STF decidiu em 2019, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, classificar a homofobia e a transfobia nos tipos penais definidos na Lei 7.716/1989. A decisão conferiu a essas condutas o mesmo tratamento legal atribuído ao racismo – não abarcado pelo ANPP, conforme a decisão recente – até que surja legislação específica sobre o tema.
Embora ressalvando sua opinião pessoal quanto à proibição total do ANPP em situações como a dos autos, o relator afirmou que “a Suprema Corte aponta para esse caminho com interpretação em conformidade com a Constituição. Portanto, não cabe ao Tribunal da Cidadania realizar qualquer outra hermenêutica”.
Assim, ao analisar o caso, o ministro concluiu que a decisão do tribunal de origem que recusou a homologação por inaplicabilidade do ANPP a crimes que infringem garantias fundamentais e a dignidade da pessoa humana está em conformidade com a jurisprudência do STF e do STJ e, por isso, não deve ser alterada.